VIII Encontro do Fórum Nacional de Ouvidores Universitários

VIII Encontro do Fórum Nacional de Ouvidores Universitários

Mesa: Ouvidoria e Psicanálise

Título: Da Escuta Institucional à Escuta Analítica

Autoras: Miryam Weinberg (Ouvidora Geral da PUC Minas) e Cecília Vieira Lima (Psicóloga e ex-aluna da PUC Minas)

Ouvidoria Universitária


A primeira proposta de instalação de ouvidorias universitárias, no Brasil, foi apresentada em 1990, com a divulgação de artigo do professor Rubens Pinto Lyra, no jornal O Norte, de João Pessoa (PB). No artigo, Lyra, fundador da ABO, apresentava as atribuições do ouvidor universitário, forma de sua escolha e garantias na institução. Dois anos mais tarde, foi criada a primeira ouvidoria em instituição de ensino superior na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A partir de 1996, ocorre um processo de aceleração na criação de ouvidorias universitárias.

Em 2007, já contabilizam 47 ouvidorias universitárias, incluindo a da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas. Para Vilanova (2004) a ouvidoria universitária é um instrumento que propicia um canal acessível de comunicação para alunos, professores, servidores e comunidade externa com a Administração Superior, contribuindo para sintonizá-la com os anseios coletivos.

A rigor, a atividade de um ombudsman/ouvidor universitário assemelha-se a de outras organizações públicas e privadas. Vilanova, citado por Lyra (1996), afirma que a atividade do ouvidor seria a de auscultar os problemas que dizem respeito ao cotidiano da universidade, agindo como um crítico interno, que a partir das demandas que lhe são encaminhadas, monta uma verdadeira radiografia da instituição. Com estes dados, o ouvidor universitário elabora pareceres sobre as necessidades de mudanças nos procedimentos e normas da instituição, objetivando o aperfeiçoamento do desempenho e do relacionamento organizacionais.

Ouvidoria da PUC Minas

Pioneira em Minas Gerais, entre as instituições privadas de ensino, a ouvidoria da PUC Minas iniciou suas atividades no ano 2000, a partir da elaboração de um projeto feito pela professora Miryam Weinberg, do Instituto de Psicologia, a pedido da então reitoria. Na época, a justificativa para a implantação de uma ouvidoria na PUC Minas fundamentou-se no crescimento e conseqüente complexidade que essa instituição universitária atingiu ao longo do tempo, passando a demandar novos recursos capazes de auxiliar a tomada de decisões por parte da administração superior.

No que tange ao arcabouço geral, a ouvidoria da PUC Minas não se diferencia de outras instâncias correlatas, encaixando-se na estruturação proposta por Vilanova (2004) e Lyra (1996). No entanto, no projeto que norteou a implantação da ouvidoria da PUC Minas registra-se quanto aos objetivos propostos por Weinberg, uma especificidade, quando comparado como outros projetos da mesma natureza: a intenção da psicóloga em aplicar o conceito de escuta no desempenho de suas funções. A ouvidoria da PUC Minas, na concepção de Weinberg, seria “um canal de escuta e comunicação para receber, analisar, investigar e encaminhar sugestões, queixas, dúvidas e elogios, ouvindo, literalmente toda a voz da comunidade acadêmica”(WEINBERG, 2000).


Perfil e Atuação do Ombudsman/Ouvidor

São onze as principais características a serem apresentadas por um profissional que deseja ocupar o cargo de ombudsman/ ouvidor:
- equilíbrio emocional;
- pro atividade;
- persuasão;
- cooperação;
- tenacidade;
- adaptabilidade;
- empatia;
- análise crítica;
- auto - desenvolvimento;
- conhecimento do negócio.
Vismona (2005), por sua vez, complementa e enfatiza que o ombudsman/ouvidor:
- pode ter qualquer formação profissional;
- deve ter paciência no trato com o público;
- atua com espírito de colaboração e cortesia;
- conhece os serviços que são prestados pelo órgão e seus limites de atuação;
- é uma pessoa pró-ativa;
- mantém contato permanente com as diversas áreas da instituição, estabelecendo uma interação com os serviços;
- evita postura de “agente punição”;
- age com empatia junto ao público externo e interno.

A Escuta na Psicanálise

O processo terapêutico é visto como um trabalho sustentado na confiança do paciente no terapeuta para revelação de eventos através da fala. A partir da escuta desta fala, Freud desenvolveu todo um conhecimento teórico, a Psicanálise. A escuta pode ser pensada a partir de um histórico sobre as técnicas desenvolvidas por Freud para que melhores resultados terapêuticos fossem obtidos através da “cura pela fala”. Técnicas freudianas, desenvolvidas ao longo do curso da Psicanálise, como a hipnose, massagem, pressão, associação livre e a interpretação dos sonhos fazem parte do processo terapêutico. Resistência e transferência, por sua vez, são eventos observados durante a analise.

Na Hipnose, primeira técnica descrita por Freud e mais tarde questionada pelo próprio criador da Psicanálise, evidencia-se a necessidade do paciente confiar no terapeuta e este, por sua vez, estar atento ao que diz aquele, requisitos exigidos pela escuta, a qual desvenda os conteúdos presentes na fala.

No desenvolvimento da “Técnica da Pressão”, Freud reitera que a eficácia do tratamento, demanda confiança e implicação do paciente, considerando ainda a existência de um saber do analisando. Portanto, a partir da hipnose e da técnica da pressão vão se delineando elementos essenciais para compreensão da escuta no campo da psicanálise.

A técnica da massagem, por sua vez, contribui com a escuta a partir do momento em que o terapeuta adota uma postura de acolhimento para com o paciente, a fim de proporcionar uma relação tranqüila e lúcida durante a analise, resultando no desabafo.

Entretanto, tudo isto não deve ser visto como uma conversa comum, durante a qual, normalmente, somente é dito aquilo que é permitido. O analisando deve deixar de lado as críticas e objeções, sem que haja policiamento da parte do próprio sujeito. A técnica da associação livre contribui com a escuta a partir do momento em que pressupõe um paciente comprometido com esta fala livre.

A escuta, na Interpretação dos Sonhos, pode ser apreendida a partir da disposição do terapeuta em buscar um sentido para aquilo que é falado pelo paciente. Para que ocorra esta interpretação é necessário que o paciente dê importância aos seus sentimentos de uma maneira isenta de objeções.

No campo da resistência, a escuta pode ser entendida como a disposição do analisando em ouvir a si próprio a respeito do que lhe é conflituoso. Este conflito existente no trabalho terapêutico é combatido a partir da transferência, a qual sustenta uma possibilidade de relação de amor e confiança, auxiliando o paciente a abrir mão das críticas e julgamentos.


A Função de Ouvidor Universitário e o Conceito de Escuta na Teoria Psicanalítica

A Psicologia é considerada uma ciência da diversidade teórica e conceitual. Sendo assim, seu diálogo com outras áreas de conhecimento amplia sua condição plural, estendendo suas contribuições para diferentes campos de atuação profissional. No que se refere ao campo de atuação das ouvidorias parece ser possível estabelecer aproximações entre o trabalho proposto por essas e a escuta psicanalítica. Este trabalho tenta demonstrar algumas aproximações, a partir do trabalho desenvolvido na ouvidoria da PUC Minas.

Partindo dos princípios estabelecidos pelo código de ética do ombudsman/ouvidor, pode-se inferir que esta função exige que o profissional vinculado a ela tenha sensibilidade para as questões ligadas, primeiramente, ao sujeito, temática básica da psicanálise. Ainda segundo o código, tais questões estariam relacionadas à compreensão e respeito às necessidades, direitos e valores das pessoas, princípios caros à prática psicanalítica e expostos pelo sujeito, quando em processo terapêutico, através da fala, a qual demanda um trabalho de escuta.

O trabalho de escuta vem sendo aplicado na ouvidoria da PUC Minas desde sua implantação, quando todos os segmentos da universidade, professores, alunos e funcionários, foram ouvidos para saber o que poderiam esperar da Ouvidoria. Neste primeiro momento, qualificado como “de construção”, a tarefa voltou-se para a integração da comunidade ao projeto e o esclarecimento de dúvidas quanto ao papel desempenhado por uma ouvidoria universitária, muitas vezes, confundido com SAC ou auditoria.

No nosso atendimento a escuta segue o modelo analítico. Entretanto, a escuta pode também apresentar um perfil institucional, ativo, através das visitas que faz em todas as unidades do campus universitário. Em ambos os casos, analisamos o que escutamos e transformamos em sugestões que são encaminhadas para que sejam analisadas pela Reitoria.

Acreditamos que cada profissional tem, na verdade, uma escuta própria, dependendo da sua formação profissional. A escuta realizada por um psicólogo não é apenas intersubjetiva, mas, sobretudo, intrapsíquica, uma vez que se trabalha com a realidade psíquica do sujeito. Por intrapsíquica, entendemos a leitura que é feita a partir do arcabouço subjetivo da pessoa.

A técnica da associação livre contribui com a escuta a partir do momento em que pressupõe um paciente comprometido com esta fala livre, obtida em função de todos os recursos utilizados pelo terapeuta e que, substancialmente, resulta na relação de confiança, base do trabalho terapêutico. Observa-se que o trabalho da ouvidora busca configurar, ainda que de forma não sistematizada, não terapêutica, um demandante que coloca suas questões de forma desimpedida, sempre partindo do princípio de confiança estabelecido no espaço da ouvidoria.

Entretanto, ressalta-se que a escuta exercida pela ouvidora acontece dentro de uma relação transferencial. A transferência ocorre com a Ouvidoria e não com a ouvidora. Quando se percebe que os aspectos trazidos pelo demandante pertencem mais à esfera da subjetividade, tem-se o cuidado de efetuar um encaminhamento a clínica da psicologia da PUC Minas. No espaço da ouvidoria, a escuta guarda relações com a Psicanálise, entretanto os desdobramentos acontecem na esfera institucional.

Quando a Psicanálise abre espaço para a circulação da palavra, ela inverte a posição da estratégia até então vigente no modelo da clínica médica. A clínica médica baseia a sua estratégia no olhar. Descreve-se exaustivamente as configurações clínicas dos pacientes e ordena esta variedade de quadros visuais. Não é isso que a psiquiatria faz? Para cada enfermidade constrói-se um tipo de ideal, que se realiza empiricamente e estuda-se suas variações clínicas diante de cada situação concreta.

Freud não apenas inverte as operações, construindo uma clínica da escuta, como transforma o cenário. No campo psicanalítico a inibição visual muda de espaço e o eixo regrado pela oposição falar/escutar passa a ocupar a posição anteriormente preenchida pelo eixo ver/ser visto.
A figura do analista se coloca no lugar reservado, como que procurando construir um espaço intersubjetivo que afaste a presença do olhar/ser olhado, investindo na estratégia do falar/escutar que deve ser entendido na sua singularidade.

É assim que se opera na Ouvidoria. Considerando o portador de uma verdade a ser revelada, tenta-se facilitar o máximo a sua escuta. O seu discurso é respeitado na sua complexa arquitetura, mas é descentrado, deslocado da posição de monumento, que ocuparia no universo visual da clínica.

Referência Bibliográfica

BIRMAN, Joel. Freud e a interpretação Psicanalítica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1991.

BRASIL. Ouvidoria – Geral da União. A Ouvidoria – Geral da União e sua atuação: anais do II fórum nacional de ouvidorias públicas. Brasília [s.n.], 2005.

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1987. v. 4, p.30-32.

LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias públicas: as ouvidorias universitárias. In: LYRA, Rubens Pintom(org). A nova esfera pública da cidadania. João Pessoa: UFPB, 1996.

VISMONA, Edson (org). A Ouvidoria Brasileira: dez anos da Associação Brasileira de Ouvidores. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005.

SÁ, Adísia; VILANOA, Fátima; MACIEL, Roberto (org). Ombudsman, ouvidores: transparências, mediação e cidadania. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004.

WEINBERG, Miryam. Ouvidoria Geral. Belo Horizonte. 2000. 29f. Projeto de elaboração da Ouvidoria da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.